domingo, 23 de dezembro de 2007

Roda Girante




O inquieto de alma desmentir sua calma.
O que mais é preciso
pra essa roda girar?

Ter o olho que chora por dentro e por fora.
O que mais é preciso
pra essa roda girar?

Ser gauche no peito e contestar o direito.
O que mais é preciso
pra essa roda girar?

Retocar a história ao som da viola.
O que mais é preciso
pra essa roda girar?

Ser todo envolvido em dar-lhe sentido.
Pra que lado é preciso
essa roda girar?

Unir em arremate o todo e as partes.
De que arte é preciso
pra essa roda girar?

Traduzir o tormento, escrever o enredo.
E essa roda a girar
passa a ser movimento.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Estrela de cadência interrompida

No escuro da noite, brilhou uma luz.
Com a estrela de pontas, menino de pontos,
e do clarão do encontro, fez-se o natal.

No escuro da noite, brilhou uma luz.
Nem mirra, nem choro, nem ouro, nem vento:
iluminou-se a poesia com fumaça e incenso.

No escuro da noite, brilhou uma luz.
Era filho, inclusive, de Maria e José,
Mas ao invés de Jesus,
Tinha nome de anjo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Rosa dos Ventos

Uma brisa, tão calma!, passou por aqui.
Deixou de presente a rosa dos ventos,
Pediu-me licença - não havia mais tempo -
E pelo belo momento, afastou-me do sorry e fez-me sorrir.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Dezoito de agosto

Estou em agosto, onde ainda é inverno.
Minhas mãos, costumeiramente frias,
congelam em instantes tudo o que me cerca.
Certezas, perspectivas e crenças,
aquilo que outrora evaporava em gotículas de esperança
precipita-se nas pedras de gelo do temporal que se aproxima.
Tão certo acreditar na previsão do tempo?
Por tantas vezes errada!
O desânimo de suas antecipações coloca-me uma sacada trancada:
cômodo fechado aos raios de sol,
que docemente pedem-me licença para entrar.
Do lado de dentro faz frio e do lado de fora,
rotina esconde tristeza, menina esconde mulher.
Quando desenhos de pequena, as nuvens sorriam.
Hoje os olhos vêem-se apenas ao fundo,
aprisionados pela fumaça a esconder seu brilho.
Enquanto sentem-se os graus negativos,
Recolho-me ao silêncio
e hesito em permitir frestas ao calor.
Não vou mais à sacada porque tenho medo.
Ironicamente, ventou muito esta semana.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Consolatio

Mantenho trancada a sacada com medo do vendaval.
Meus olhos, sempre tão grandes e abertos, já não suportam tanta poeira.
Mantenho trancada a sacada com medo da altura.
Preferiria a certeza do chão ao não-lugar entre o céu e a terra.
Mantenho trancada a sacada e fecho também a cortina.
Estou fatigada de tanto enxergar, estou atordoada pela clareza dos raios de sol.
Mantenho trancada a sacada e evito que me vejam.
Procuro entender na ausência a essência do consolo.
Mantenho trancada a sacada e privo-me do som.
Entoa-se no silêncio apenas a melodia desarmônica das dúvidas.
Mantenho trancada a sacada, mantenho guardadas verdades.
Mantenho trancada a sacada e quando chegar o momento,
Com o cair da noite mansa e sua brisa,
Quebrarei os vidros, destruirei as chaves,
E me mudarei para uma casa.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

(Autopsicografia em (p)essoa)

Não me digam serem belas as palavras.
Se ao menos soubessem os vocábulos o quanto são inúteis!
Quero gritar-lhes - ao não, ao in, ao des e ao contra - vão-se todos!, e assassino pouco em pouco o verbo haver.

Suspendendo soluços em vírgulas, falseando o existir em aspas, desenfreando um período sem pontos.

Se não compreendem as irregularidades
(nem ao menos as gramaticais!),
não me digam serem belas as palavras!

Desoriento a ortografia por linhas sem par.

E por que é que elogiam e não conseguem interpretar?
Por que é que não me ajudam e não me ensinam a calar?!

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Skrik



Quantos meios poemas apenas imaginados pelas mentes criativas dos poetas de ocasião, cuja incompletude da razão e a indefinição dos sentimentos paralizam mão, caneta e papel, enquanto a intimidade sufocada luta pela sua liberdade e encontra apenas em um grito o alívio para sua frustação de jamais ser capaz de escrever o mundo.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Golpes de Grafite

Ai, se não me seguro, quebro logo e de vez todas essas grafites!
Má idéia não seria espalhá-las pelo chão de meu quarto, sob o qual se amontoam agora os resquícios do recente desvario.
Roupas, músicas, papéis e cansaço.
Uma pitada de grafite adicionaria a dose exata de escuridão ao conjunto sinestésico!
Seria assim possível libertar-me do carbono, mais tóxica substância, com a qual hoje pincelam-se meus sentidos?
Tem sido difícil respirar – pois que a transparência do ar esbarra-se na parede negra de meus pulmões.
Tem sido difícil digerir – pois que os elementos gástricos não foram preparados para decompor cinzas.
Tem sido impossível escrever – ainda que as grafites estejam fincadas por debaixo de minhas unhas e, angustiantes, risquem as paredes todas, e produzam o arranhado ensurdecedor, e arrepiem a alma.
Ai, se ao menos soubesse, apagaria logo e de vez todas essas grafites!
Ora escondo-as sob o papel branco e indiferente no qual tenho despachado os dias, ora jogo-as da janela do terceiro andar.
E ainda assim não obtenho apenas um ínfimo pedaço com o qual pudesse dispensar-me em anos de elaborada pesquisa pela descoberta de seu antídoto.
Esforço-me, deveras, e continuo incapaz de descobrir a reação da qual resultam, não compreendo as ligações orgânicas que as constituem, nem aprendo, ao menos, sobre o composto capaz de limpar os seus borrões.
Ai, se fosse possível, manejaria a grafite como versos e lapidaria em diamantes o conjunto de meus desencantos.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Frio

Sinto frio.
Incontrolável, inaquecível.
De uma profundidade nunca antes imaginada em meu corpo.
Sinto tremer ossos, cabeça, sentidos,
Sinto estremecer sentimentos, confortos, esperança.
Sinto um vento que me arrasta para longe,
Tornado de emoções a desprender de todo chão.
Ainda, sinto gotas de chuva a pesarem sobre mim,
Estranha variação das leis da gravidade.
As lágrimas a escorrer intensificam a umidade,
Apagando possíveis chamas de calor,
Alagando qualquer abrigo;
E assim volumosas, as lágrimas congelam em flocos de neve,
Cristalizando a dor.
Sinto frio.
Frio branco, frio ausência.
Faz frio em minha alma.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Círculo Trigonométrico

O tempo era para agradecimentos e não abstrações.
Entretanto, mais uma vez distancio-me de minhas obrigações
E penso encontrar em ti o refúgio para meus desprazeres.
Qual insensatez!
Justamente tu, que não entendes meu desespero!

Não culpo-te, acredite!
(nem mesmo o fiz outrora... ainda que não compreendas).
Digo-lhe apenas: não agüento!
Conheceste-me no momento em que me consumia, sem perceber.
Traduziste-me, interpretaste-me,
E partistes, como haveria de ser.

Se quiseres, encontrar-me-á, agora, assim:
Terceiro quadrante, sinal negativo, sentido anti-horário, duzentos e tantos graus.
Mais um impulso e sentirei o início da vertigem,
Mais um passo e a força do desequilíbrio tomará conta de mim,
Apenas um descuido e chegarei à inclinação em que o único sentido são as pernas para o ar.

Não há motivos exatos, não há resquícios de esperança,
Não há nem mesmo talheres na mesa
(seria, talvez, melhor assim?)!
Há apenas espasmos de uma fingida alegria,
Há revolta pela incapacidade de um sorriso honesto.
E há a constância da tristeza.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Peso de folha

Não há nada tão leve como as folhas.
E não digo por sua massa específica, não me refiro ao peso contado pela pressão exercida pelos corpos em uma superfície plana.
Falo pela sua pura e simples leveza,
Pelos seus movimentos em espiral,
Pela sua facilidade em elevar-se.

Diferentes cores, tamanhos, odores,
Variadas combinações de uma mesma natureza,
As folhas conferem ao mundo o frescor das sombras, a pureza do ar, o refúgio da liberdade.
Engraçada constatação:
Os pássaros percorrem o mundo atrás de seus sonhos e encontram,
Nas mais diversas paisagens,
Nos mais distantes destinos,
A certeza das folhas.

Somos todos, ou deveríamos ser, um pouco folha.

Seja assim entendido:
A chegada das chuvas a conduzir a mudança de nossas cores,
Nossa existência conjunta aos sonhos de beija-flores.

Seja assim festejado:
O passar de nossos anos a trazer-nos leveza,
a transformar-nos em certeza,
Para que o manso sopro do outono nos encontre preparados.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Injustiça gramatical

Por que tão efêmera a alegria?!
A tristeza detalha-se em câmera lenta, a felicidade explode em fogos de artifício.
"Tudo passa" acelera o filme, mas estraga o show.
E o que não passa se transforma: a dor na lembrança ainda é dor, alegria na lembrança vira saudade.
Injustiça.
O antônimo de uma grande tristeza não é a felicidade eterna.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

À demain...

Decidi que hoje não!
Hoje o papel em branco não será manchado pela tinta (quiçá restará enrugado pela umidade que insiste em escorrer de meus olhos, tendo a exclusividade de contrariar a inércia cotidiana).
Hoje estou cansada para desavenças e desamores, cética sobre tudo, descrente frente todos.
Hoje recuso-me a gastar palavras e árvores e sono.
Coloque-se um aviso à porta: hoje não estou.
Coloque-se uma ordem à mão: hoje não escrevo.
Coloque-se um alivio à cama: hoje dormirás.

domingo, 23 de setembro de 2007

Sentido único

Não há sentido em desesperar,
Em deixar que pontadas e calafrios tomem conta de meu corpo.
Não há sentido em agir,
Para que insistir no inevitável?
Que tudo corra como deve ser,
E que minh'alma se liberte de você
Do mesmo modo com que as palavras
agora se desprendem de minhas mãos.

Não há sentido no grito, no choro, no espanto.
As incertezas tornam-se tão certas
No momento em que se percebe:
Atrás de casa suspiro, de cada dúvida,
Havia sempre uma mesma resposta.

Não há sentido em deprimir-se.
Se tua presença hoje me sufoca,
É tua própria contradição a me fazer lembrar:
A vida talvez surja da imobilidade,
E o novo substitui tudo o que hoje é não-amor.

sábado, 15 de setembro de 2007

Pedido

Concedam-me, ainda que apenas por hoje, a permissão para a alegria ordinária!
Invade-me um desejo contínuo de provar o gosto de seus prazeres,
Instiga-me a possibilidade de faltar aos vícios de minha lucidez.
Confesso, por meio de versos desconexos, que há tempos convivo sob o conflito de minhas convicções e, deliberadamente, desafio-me aos atos ilícitos.
Flerto com alternativas que, não de hoje, se me apresentam e cuja recusa acreditei por longo tempo fortalecer-me a virtude.
Não mais creio, por hoje.
Pelo momento, desejo apenas provar da insensatez.
Por um instante somente, concedam-me o hiato dos sentimentos, o intervalo dos princípios.
Desejo a alegria dos bobos, a autenticidade das crianças, a leveza dos bêbados.
Desejo flutuar em nuvens de ausência e quando, lá de cima, afigurar-se o auge da contradição de meus porquês, desejo apenas rir do formato quadrado daquilo a que se chama existência.
Contentem-se com o fato de que, por hoje, abdicarei dos julgamentos.
Por hoje, serão entregues corpo e sentidos para a emolduração da felicidade.
E assim, rirão todos de minha insanidade,
Saciar-se-ão de minha descompostura,
Aliviar-se-ão por minha corruptibilidade.
Enquanto ausenta-se minha razão, desfrutarão todos de incontestado desregramento.
Por meio de meu delírio, peço permissão para que justifiquem-se vossas fraquezas humanas e mantenho-me subserviente às mais caridosas intenções.
Renuncio ao contraponto e, por ora, dormiremos em paz.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Desacertos da temporalidade

- Então, você também escreve?!

A pergunta fez-se incômoda.
Acaso os devaneios de seu interior, transcritos em traços de grafite, tornavam-na uma escritora?
Interessaria-se aquele sujeito pela expressão de transtornos e dúvidas que talvez não lhe dissessem respeito?
Fato, era. Algumas dezenas de poemas, duas ou três crônicas, imaginava um conto.
Enxergava a poética da vida através de pensamentos decassílabos e rimados.

- Sim, escrevo.
(As palavras saíram-lhe da boca, tal como nos momentos em que não podia controlar a mão, insistente em riscar o papel).

- Interessante! E sobre o que escreve?
(Não resolvera o problema).

A natureza, os anjos, o mar.
Todos os grandes escritores pareciam versar sobre algo que lhes tinha sentido.
Quase heresia, escrevia justamente sobre a falta de sentido a perturbar-lhe ininterruptamente.
Como o olho chora e a boca grita, escrevia na intermitência das explosões de sua alma, como alternativa única.

- Não, não escrevo.
(Aliviou-se com a correção, embora ainda não certa sobre o grau de mentira que acarreta a supressão da verdade).

- Mas ora, escreve ou não escreve?

Não havia saída.
O pretérito calaria para sempre sua mão.
O presente exigiria explicações.
O futuro pertencia aos sujeitos indeterminados.
A inexistência de uma forma verbal acaso a eximiria de uma resposta?

(Grunhiu um vocábulo fresco):
- Escreviariarei.

Descobriu, no exato instante, os desacertos da temporalidade.
Escancarou, em sua ambigüidade, a incerteza característica dos versos.
Imaginou-se ininteligível e sorriu:
Compreendeu-se inexata, fez-se poetisa.