quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Golpes de Grafite

Ai, se não me seguro, quebro logo e de vez todas essas grafites!
Má idéia não seria espalhá-las pelo chão de meu quarto, sob o qual se amontoam agora os resquícios do recente desvario.
Roupas, músicas, papéis e cansaço.
Uma pitada de grafite adicionaria a dose exata de escuridão ao conjunto sinestésico!
Seria assim possível libertar-me do carbono, mais tóxica substância, com a qual hoje pincelam-se meus sentidos?
Tem sido difícil respirar – pois que a transparência do ar esbarra-se na parede negra de meus pulmões.
Tem sido difícil digerir – pois que os elementos gástricos não foram preparados para decompor cinzas.
Tem sido impossível escrever – ainda que as grafites estejam fincadas por debaixo de minhas unhas e, angustiantes, risquem as paredes todas, e produzam o arranhado ensurdecedor, e arrepiem a alma.
Ai, se ao menos soubesse, apagaria logo e de vez todas essas grafites!
Ora escondo-as sob o papel branco e indiferente no qual tenho despachado os dias, ora jogo-as da janela do terceiro andar.
E ainda assim não obtenho apenas um ínfimo pedaço com o qual pudesse dispensar-me em anos de elaborada pesquisa pela descoberta de seu antídoto.
Esforço-me, deveras, e continuo incapaz de descobrir a reação da qual resultam, não compreendo as ligações orgânicas que as constituem, nem aprendo, ao menos, sobre o composto capaz de limpar os seus borrões.
Ai, se fosse possível, manejaria a grafite como versos e lapidaria em diamantes o conjunto de meus desencantos.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Frio

Sinto frio.
Incontrolável, inaquecível.
De uma profundidade nunca antes imaginada em meu corpo.
Sinto tremer ossos, cabeça, sentidos,
Sinto estremecer sentimentos, confortos, esperança.
Sinto um vento que me arrasta para longe,
Tornado de emoções a desprender de todo chão.
Ainda, sinto gotas de chuva a pesarem sobre mim,
Estranha variação das leis da gravidade.
As lágrimas a escorrer intensificam a umidade,
Apagando possíveis chamas de calor,
Alagando qualquer abrigo;
E assim volumosas, as lágrimas congelam em flocos de neve,
Cristalizando a dor.
Sinto frio.
Frio branco, frio ausência.
Faz frio em minha alma.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Círculo Trigonométrico

O tempo era para agradecimentos e não abstrações.
Entretanto, mais uma vez distancio-me de minhas obrigações
E penso encontrar em ti o refúgio para meus desprazeres.
Qual insensatez!
Justamente tu, que não entendes meu desespero!

Não culpo-te, acredite!
(nem mesmo o fiz outrora... ainda que não compreendas).
Digo-lhe apenas: não agüento!
Conheceste-me no momento em que me consumia, sem perceber.
Traduziste-me, interpretaste-me,
E partistes, como haveria de ser.

Se quiseres, encontrar-me-á, agora, assim:
Terceiro quadrante, sinal negativo, sentido anti-horário, duzentos e tantos graus.
Mais um impulso e sentirei o início da vertigem,
Mais um passo e a força do desequilíbrio tomará conta de mim,
Apenas um descuido e chegarei à inclinação em que o único sentido são as pernas para o ar.

Não há motivos exatos, não há resquícios de esperança,
Não há nem mesmo talheres na mesa
(seria, talvez, melhor assim?)!
Há apenas espasmos de uma fingida alegria,
Há revolta pela incapacidade de um sorriso honesto.
E há a constância da tristeza.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Peso de folha

Não há nada tão leve como as folhas.
E não digo por sua massa específica, não me refiro ao peso contado pela pressão exercida pelos corpos em uma superfície plana.
Falo pela sua pura e simples leveza,
Pelos seus movimentos em espiral,
Pela sua facilidade em elevar-se.

Diferentes cores, tamanhos, odores,
Variadas combinações de uma mesma natureza,
As folhas conferem ao mundo o frescor das sombras, a pureza do ar, o refúgio da liberdade.
Engraçada constatação:
Os pássaros percorrem o mundo atrás de seus sonhos e encontram,
Nas mais diversas paisagens,
Nos mais distantes destinos,
A certeza das folhas.

Somos todos, ou deveríamos ser, um pouco folha.

Seja assim entendido:
A chegada das chuvas a conduzir a mudança de nossas cores,
Nossa existência conjunta aos sonhos de beija-flores.

Seja assim festejado:
O passar de nossos anos a trazer-nos leveza,
a transformar-nos em certeza,
Para que o manso sopro do outono nos encontre preparados.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Injustiça gramatical

Por que tão efêmera a alegria?!
A tristeza detalha-se em câmera lenta, a felicidade explode em fogos de artifício.
"Tudo passa" acelera o filme, mas estraga o show.
E o que não passa se transforma: a dor na lembrança ainda é dor, alegria na lembrança vira saudade.
Injustiça.
O antônimo de uma grande tristeza não é a felicidade eterna.