quarta-feira, 30 de abril de 2008

Perene Incompleto

Somos o insatifeito.
Peito sem jeito, perene incompleto.
Somos o inquieto.
Desafetos das notas retas
e das quebradas.
Não há entoada que nos satisfaça.
Somos o in-verso da graça.
E do que se fez.
O vocês da vez.
Em nossa voz.
Depois do pó do pós:
Nós.

domingo, 27 de abril de 2008

Corda bamba

Pensa.
Suspensa.
Não pensa.

Sustenta-se apenas sobre si mesma.
Percorre o fino fio da certeza.
Imenso espaço aberto.

Arrisca passo incerto.

Ergue os braços.
Gira o tronco.

Encontro.
Com o novo,
Com o simples,
Com o tonto.

Cabeça erguida
Olha ao longe:
Horizonte-linha.

Equilibrista
quando caminha,
Fixa um ponto.
Mantém-se em pé.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Vide verso

Todo poema é só metade.
___________________.
Não diz de tudo
____________
Aquilo que se sente.
_______________.
Cada linha primeira
_______________
Esconde a segunda,
______________,
Muito mais verdadeira,
_________________,
Ao dispor do leitor
______________
Que se aventura.
____________.
Todo poema é casca
_______________
de fruta madura.
____________.
Céu nublado.
__________.
Corpo de menina.
_____________.
Pé de bailarina.
____________.
O que não está na rima,
_________________,
Está na sombra
___________
do verso
_______
da folha.
_______.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Peixe grande

Aprendi deste momento único
A experiência sensível do existir.
Um flutuar distante e ausente.
O estágio quase dormente
em que a alma passeia.
Dispersa-se na areia.
Encontra outro porto.
Meu corpo, absorto
não mais doeu daquela dor,
dos troncos das árvores,
em meio ao vendaval.
Pois que livrou-se das raízes.
Em sendo totalmente livre,
Galhos eram asas e suas folhas
Penas pequenas de suave deslize.
Aprendi deste momento único:
Sobrevive quem sabe ir embora.
Pássaro não canta em gaiola.
Peixe grande visita a orla
Mas segue a vida em alto mar.
Pelo momento deixo estar.
Logo liberto-me das âncoras de agora.
Despejo meus sentidos mundo afora.
E quando enfim conhecer a calma
Resgato a semente da alma,
E apresento-lhe um novo lar.

domingo, 20 de abril de 2008

Mãos lavadas

- Aqui, do seu lado!
(Grito abafado de uma alma sem lar).

- Dá um trocado?
(Vidro fechado também faz sufocar).

- Me compra um pão?
- Deixa eu ver sua mão?

Não enxerga atenção.

Não lê arroz e feijão.

Só uma linha invisível.
Contramão.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Imperativo: Contra-ataque

Eu sem graça.
Eu me disfarço.
Seu cabelos cacheados
Chacoalhando
Com a chuva.
Minha palavra muda.
Sua barba por fazer.
Eu vejo você:
Esperança é silêncio.
É seu olhar intenso
A tentar me descobrir.
Descobre.
Encobre.
Me pergunta, é mais fácil.
O meu passo é profundo
Mas é pequeno.
Medroso.
Ansioso.
Tudo ao mesmo tempo.
O que eu entendo é chão.
Você é paixão.
Eu não estou acostumada.
Minha defesa é fachada.
Amo-te retraída.
Amo-me desfalcada.

sábado, 5 de abril de 2008

Matiné

Eu invento roteiros, troco cenários, eu adiciono personagens.
Eu insisto nas páginas de um romance já gasto em seu não-existir.
Somos novela estrangeira dublada.
Ou uma comédia romântica mal-acabada e sem final feliz.
Somos uma história que o autor não quis e deixou para trás.

Eu não sou mais
que apenas cliché.

Eu atuo em cenas que você não vê.
Eu escuto trilhas que ninguém mais sente.
Eu sou a fala versada que você não entende.

Faz falta entre a gente a legenda da alma.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Cosmopolita

Lâmpada quer ser estrela.
Iceberg é geladeira.
Condomínio é cordilheira.
Ventilador é furacão.

Chaminé quer ser vulcão.

Nuvem de poluição.

E carros com muitos cavalos.
E a água escorendo nos ralos,
É chuva infiltrando no chão.

Brincadeira cosmopolita.
Apenas imita.
Nenhuma invenção.