sábado, 26 de julho de 2008

Tatoagem

Quis ser madeira.
E conhecer por inteira
A acústica da alma.
Ser viola, batuque, piano.
Quis ser pano.
Posto em posto alto
Nos dias de festa.
Quis hastear-se sem pressa
Em seu hino de fala falha.
Quis ser palha.
E queimar em migalhas
Tanta comodidade chata.
Quis ser lata.
Quis ser prata.
Quis ser ouro.
Quis ser estouro de brilho
E transtornar o fascínio
Com seu grito.
Quis ser granito e mármore.
Quis ser concreto.
Demolir traços retos
Reerguer-se em novo passo.
Quis ser aço.
Que se molda com calor.
Que segura o que for.
Quis ser dura
Como a textura
Na parede do quarto.
Quis reunir seus cacos.
E poder ser fraca.
Quis ser vidro.
Quis ser viva.
Como quem acha
Que vale a pena.
Quis ser borracha.
Quis ser plástica.
Quis ser cimento.
Quis saber assentar
Cada momento
Com que se constrói
O alicerce da vida.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Fausse-couche

Eu receio tua tamanha experiência.
Eu me escondo dessa tua intensa essência
Que transparece em cada nota de você.
E eu me seguro ao hesitar por sua pressa.
Eu não entrego minha defesa, já confessa.
Eu já sou prática nessas táticas de temer.
E então quando me treme todo o corpo,
Eu te rebato e me afasto, pouco a pouco.
Eu mesma mato qualquer possível vir a ser.

domingo, 20 de julho de 2008

Cadeira de balanço

Gingado da menina
Que balança, feminina,
Desconstrói com encanto
a Terra inteira.

Para um lado e para o outro,
Deixa tonto todo o povo,
Embalando no compasso
suas madeixas.

É beleza e formosura
E esbanja compostura,
Quando entrega pra cadência
suas cadeiras.

domingo, 13 de julho de 2008

Empacotado

Pé no sapato.
Peixe no aquário.
Roupa no armário.
Lâmpada no lustre.
Perfume no frasco.
Caneta no estojo.
Peito no bojo.
Fruta na casca.
Batom na bolsa.
Pérola na concha.
Bolacha no pacote.
Tesouro no pote:
Não brilha.
Não trilha.
Não rima.
Não vive.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Arrabalde*




Arre!,
que a vida aqui
se faz nos baldes!
Do sabão doméstico da faxina.
Da birita entorpecente das esquinas.
Dos meninos e meninas
que esbaldam
alegria
espalhando
tanta água
pela rua!



* Escrito a partir do poema "Arrabalde", de Berimba de Jesus.
(www.poesiamaloqueirista.blogspot.com)
(não tem o poema, mas fala sobre o movimento! rs)

terça-feira, 8 de julho de 2008

Traços em trapos

Trançando palavras em traços,
Traduzo o espaço
Dos sentimentos trancados
Pelos transtornos do tempo.
Traçando palavras às traças,
Atraso o lamento
E transporto o intento
(para dias futuros)
De quebrar as vidraças.
Transpor esses muros.
Trazer novo rumo.
Transbordando sentidos em taças,
Transmito o que passa
Em palavras sem medo.

domingo, 6 de julho de 2008

Ver-te aguado

Meus olhos, de águas transbordantes,
Temiam afogar-se em si.
Meus olhos, de mareado bocejante,
Desistiam de procurar-te aqui.
Meus olhos, de esverdeado desaguante,
Descobriram em ti a lágrima dos amantes
Que não sabe se chora ou se ri.