domingo, 30 de março de 2008

Aficionada

Escancarados meus sentidos
Restrinjo, incerto o tempo, vossos ouvidos
Ao enunciado de palavras mal-escritas.
Escondo-me em versos sobre a vida.
Anuncio uma esperança renascida.
Disfarço egoísmos impiedosos.

E já que querem estes versos tortuosos
Declamando sobre coisas tanto mais belas!,
Deitarei ao encosto minhas mazelas
Falsearei logo um soneto de amor.
Que brinde risos e flores, chocolates e cores,
(Seja acaso tudo isso e o que mais for)!

Já me desculpo, entretanto,
Se escapando-me o pranto,
Perderem-se entre as linhas minhas mãos.
É que a grafite com que escrevo
Não se acostuma com o erro
De que poesia com mentira é ficção.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Passa-anel

Passa um, passa dois, passa três.
Segura bem firme entre a palma das mãos.
Deixa em um, retira depois, pensa outra vez.
Descuido e cansaço derrubam no chão.
Escolhe um, passos a dois, serão três.
Coração de menina vestido de véu,
Inventa que amar
é brincar passa-anel.

sábado, 22 de março de 2008

"Le rouge et le noir"



Tenho mãos de grafite:
Coloração preto-noite.
(Se vivesse no século dezoito
seriam mãos preto-carvão)
Fugi por um instante da escuridão
e acordei com as unhas pintadas.
Quando a noite é avermelhada
é porque vai chover.
Minhas mãos são hoje
um céu preto-noite-pingo.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Quarentena

Tentando unir os fragmentos.
Suspendo a vida nesse momento.
Me pergunto.
Cadê as beiras disso tudo?
Como é que faz pra ir mais fundo?
Não pode ser de outra maneira?
À espera da resposta certeira.
Canso-me.
Puxo uma cadeira.
Me resguardo enquanto
aguardo
um outro mundo.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Pensamento



Quando chove
respinga
o orvalho do verde do céu.

sábado, 8 de março de 2008

Das mulheres de Noel

Três apitos

Primeiro apito,
Restrito.
Segundo apito,
Repito.
Terceiro apito,
Reflito:
O som percorre o infinito,
Nunca encontra você.


Dia da Mulher

Hoje, já que é dia de festa,
Me dou uma brecha
Me permito mudar.
Sendo hoje mais leve,
mais viva, mais breve,
Me entrego ao desejo
Dispenso meu par.
Sem dor e sem culpa
Entorto a conduta
Visto novo papel.
Já que é dia de festa,
Assumo em minhas frestas
Ser mulata
fuzarqueira
de Noel.

quinta-feira, 6 de março de 2008

Canção de ninar

Saio na frente
e segredo entre a gente:
esse meu eu, sorridente
é canção de ninar.
Compasso sereno
embala de leve
Com o doce da nota
faz que se entregue
E se vai pela porta
deixando pra trás.
Mas cachimbo em criança
pulando perneta
a cuca que pega
boi da cara preta,
como é que se pode
enganar tanta paz?
Na incoerência velada
que faz o meu mundo
Entôo um riso
suave e profundo
E desafino no canto
de um quarto do fundo,
melodia estridente
que faria assustar.