quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Caligrafias

Tamanha a obediência das coisas que me encontro a embaralhar palavras, só pra ver se pode um pouco de desordem! Não que me incomodem indiscutivelmente as regras, mas a que ponto perturbam-me as desnecessidades...
Jamais corrigi-lhes as regências todas, nem dei-me à interferir em suas inconcordâncias.
Com que propriedade vivem agora a assinalar os trechos de minhas ambigüidades?!

Ainda que vivesse a praticar caligrafias, confesso-lhes o fato de nunca ter chegado a ser verdadeiramente linear. E falta mesmo fazem-me hoje as borrachas, que ao menos elas podiam apagar-me!

Tenho andado a esconder as mãos nos bolsos, dissimulando grafites já impregnadas: abaixo das unhas, acima das palmas, adentro da alma.
Quais espantos trariam suas cinzas às páginas em que novamente habito!
Lar de folhas cuidadosamente limpas, impecavelmente, limpas.

(Vai um dia desses tropeço e no susto e na queda deixo um risco, sem querer?
Preto no branco! (admiraria de canto).
Se ao menos o clássico não estivesse démodé...)

Apontam minhas pontas altamente apontadas.
E pelas espetadas gratuitamente distribuídas peço-lhes desculpas, com sinceridade.
Julguem-me ingrata, egoísta, insensata.
Mas... por favor, não mais reduzam os borrões de minhas mãos sujas aos contornos dos carimbos burocráticos, nem continuem a exigir de minhas palavras a exatidão das escritas de forma.
Suspendam-me das advertências, levem-me direto às suas autoridades...(que sim, tenho a elas muitas perguntas)!
E para que bem assine todas as minhas culpas,
deixem-me logo treinar a letra de mão.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Além das Bandeiras

Cansei não apenas do lirismo, mas de toda palavra que hoje se situa entre sua insignificância e seu conceito.
Por nisso falar, cansei da distância entre o homem e a caverna, a teoria e a prática, o pressuposto e o verificável.
Cansei de estar entre a imensidão dos saberes e a incapacidade da apreensão, e do cansaço das dezenas de anos de estudo, cansei de estar entre a titulação e o conhecimento.
Cansei dos pontos médios e denominadores comuns.
Cansei dos elementos básicos, das correntes elétricas, das ondas e do som.
Cansei das preposições e conjunções e de tudo que apenas interliga e transita sem preocupar-se em ser em si.
Cansada estou, não apenas do lirismo, mas da inutilidade das línguas e palavras, dos gestos e expressões que em vão tentam percorrer o caminho entre nossas individualidades.
Cansei, inclusive, da alteridade, da dialética sem síntese, da construção.
Cansei de estar na fronteira entre o dentro e o fora, no limite entre a identidade e o não-pertencimento, no campo de refugiados de si mesmos.
Cansei da esquerda e da direita.
Cansei da reforma e da revolução.
Cansei do certo e do errado e de toda forma de dicotomia e fragmentação que deixa espaço para a angústia do meio-termo.
Cansada estou, não apenas do lirismo, mas de toda forma de comedimento que, ao ser mediano pressupõe extremos e assim instaura a distância entre sonho e realidade.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Um carbono e dois gênios

Faz um calor que, bah!, é difícil suportar!
Calor amorfo, insosso.
Calor pesado, indisposto.
Calor externo e eterno a desfilar sorrisos de verão.
E diz-se na capa de qualquer edição:
“Emissão de carbono eleva temperaturas e castiga a Terra inteira”.
... quando nem mesmo as manchetes estampadas nos olhares me parecem verdadeiras!
Sabe minha tristeza muito mais que a arrogante ciência.
E contrariando toda tendência, afirma com convicção:
O carbono que a grafite exala não polui rios, não destrói a fauna.
É matéria, inclusive, de muito baixa ebulição,
E que ao moldar-se em fio,
Gera um gás tão frio,
Que desaquece a alma.