quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Golpes de Grafite

Ai, se não me seguro, quebro logo e de vez todas essas grafites!
Má idéia não seria espalhá-las pelo chão de meu quarto, sob o qual se amontoam agora os resquícios do recente desvario.
Roupas, músicas, papéis e cansaço.
Uma pitada de grafite adicionaria a dose exata de escuridão ao conjunto sinestésico!
Seria assim possível libertar-me do carbono, mais tóxica substância, com a qual hoje pincelam-se meus sentidos?
Tem sido difícil respirar – pois que a transparência do ar esbarra-se na parede negra de meus pulmões.
Tem sido difícil digerir – pois que os elementos gástricos não foram preparados para decompor cinzas.
Tem sido impossível escrever – ainda que as grafites estejam fincadas por debaixo de minhas unhas e, angustiantes, risquem as paredes todas, e produzam o arranhado ensurdecedor, e arrepiem a alma.
Ai, se ao menos soubesse, apagaria logo e de vez todas essas grafites!
Ora escondo-as sob o papel branco e indiferente no qual tenho despachado os dias, ora jogo-as da janela do terceiro andar.
E ainda assim não obtenho apenas um ínfimo pedaço com o qual pudesse dispensar-me em anos de elaborada pesquisa pela descoberta de seu antídoto.
Esforço-me, deveras, e continuo incapaz de descobrir a reação da qual resultam, não compreendo as ligações orgânicas que as constituem, nem aprendo, ao menos, sobre o composto capaz de limpar os seus borrões.
Ai, se fosse possível, manejaria a grafite como versos e lapidaria em diamantes o conjunto de meus desencantos.

Um comentário:

Ulisses disse...

Puxa vida! Você escreve excessivamente bem. Gostei do seu jeito de lidar com palavras eruditas e das metáforas acerca do grafite dentro do seu corpo!