Manifesto Infantil

"A palavra “infância” vem do latim infantìa/ae que significa tanto ainda não falar como infância, o que é novo, novidade; do latim infans/ántis, que não fala, criança. A aquisição da linguagem é, portanto, a passagem do infans, aquele que não fala, para sujeito falante". (IN: A infância e a aquisição de linguagem - Maria Fausta Pereira de Castro)

Crianças do mundo:
comecemos a chorar.
Nasçamos com o grito
do aflito despertar das luzes do parto.
Primeiro constato da frieza do mundo.
Preparo do corpo para o choro profundo.
Choremos segundo e estridente:
fome de leite.
Até que os pais todos estejam presentes.
E o ardido incomode os vizinhos dormentes.
E qualquer reticente, não vendo outro jeito,
Abra seu peito para nos amamentar.
Enxuguemos as palpebras
apenas por pausa
para digestão.
Depois?
Choremos por pão.
Feijão.
Macarrão.
Sejamos crianças mimadas.
Choremos nas vitrines, nas lojas, nas calçadas
Façamos encontrar as nossas lágrimas
Nas aguas das torneiras
Em que lavam-se as mãos.
Choremos de medo da escuridão.
Choremos pela falta de educação.
Choremos a cada não.
Choremos o choro doído
por nossos tombos (no pátio),
por tantos insultos (na escola).
Choremos até a hora
em que a fala de adultos
não mais tenha sentido.
Crianças do mundo:
Entreguemos sem medo
os nossos soluços.
Esperneemos a dança
de nossos impulsos.
Façamos bom uso de nossa linguagem
Tanto dita contraria às falas vigentes.
Choremos insolentemente, crianças.
Recuperemos da infância
a primaria e unica instância
em que ainda se entendem
todas as gentes.